Um artigo bastante completo, no luxemburgo times (Contacto é a versão portuguesa) onde está posição de um casal de autocaravanistas, do CPA e da FPA, e não deixam sequer escapar a satisfação da AHRESP pela legislação ir de encontro às suas solcitações ao governo:
Contacto Escreveu:A REVOLTA DAS AUTOCARAVANAS EM PORTUGAL
A nova legislação portuguesa que proíbe a pernoita e o aparcamento de autocaravanas em todos os locais que não sejam expressamente designados para o efeito está a gerar uma onda de protestos online.
Luís Pina, 31 anos, e Andreia Pereira, de 30 anos, emigraram para a Alemanha em 2012. Luís trabalhava numa empresa de engenharia e Andreia na área da restauração. Viveram por lá alguns anos, até que decidiram mudar de vida. Em 2017, como já se dedicavam à fotografia e produção de vídeo, abandonaram as terras germânicas e com o dinheiro guardado quiseram começar um negócio no campo das viagens, dedicando-se exclusivamente à produção de conteúdos digitais.
A ideia inicial era fazerem-no de mochila às costas, mas feitas as contas ao que isso implicava, decidiram comprar uma carrinha, que reconstruiram durante sete meses e legalizaram como auto-caravana, permitindo-lhes viajar, mas sem sair de casa. Luís e Andreia deram início à sua viagem em 2019, partilhando em diferentes plataformas os locais que visitavam e as aventuras que vinham com o novo estilo de vida.
O casal explica ao Contacto que a intenção do projeto Travel Inspire é, tal como o nome indica, inspirar outras pessoas a viajarem, mostrando “que há sítios lindos em todo lado”. A viagem por Portugal levou-lhes sete meses, “a trabalhar a tempo inteiro e por isso a viajar de uma forma muito lenta, conhecendo muito bem cada local que visitamos”, conta Luís.
Foi precisamente através da página de Instagram “Travel Inspire” que o casal, publicou uma chamada de atenção à alteração do Código da Estrada e consequente proibição de pernoita de autocaravanas em todo o território nacional a partir do dia 9 de janeiro deste ano. A publicação tornou-se viral, o que foi uma surpresa para o casal que pretendia partilhar informação sobre a nova lei, bem como dar a conhecer as petições criadas por individuais autocaravanistas.
Lei essa que vai mudar a vida de Luís, Andreia e de Nacho, o cão simpático que viaja com eles, mas também de muitas outras pessoas que utilizam autocaravanas como forma de habitação permanente.Em causa está o Decreto-lei 102-B/2020 com a atualização do Código da Estrada, que entrou em vigor esta sexta-feira, dia 9 de janeiro.
As alterações aprovadas em novembro, incluem não só multas agravadas para o uso do telemóvel ao volante e a perda de três pontos na carta de condução, mas também a proibição de aparcamento e pernoita de autocaravanas fora dos locais autorizados, através do artigo 50.º da nova lei.
Neste artigo, considera-se “aparcamento”, o estacionamento do veículo com ocupação de espaço superior ao seu perímetro e como “autocaravana ou similar”, o veículo que apresente um espaço habitacional ou que seja adaptado para a utilização de um espaço habitacional, classificado como “autocaravana”, “especial dormitório” ou “caravana” pelo Instituto da Mobilidade e dos Transportes. Já “pernoita” identifica-se como “a permanência de autocaravana ou similar no local do estacionamento, com ocupantes, entre as 21:00 horas de um dia e as 7:00 horas do dia seguinte”.
No final do Conselho de Ministros realizado a 27 de novembro, a secretária de Estado, Patrícia Gaspar, disse que as novas alterações indicam, na prática, os locais onde as autocaravanas podem aparcar e pernoitar, destacando que estacionar “é uma coisa diferente”, citava a agência Lusa. Segundo a governante, aparcar e pernoitar passa a ser apenas permitido nas zonas previamente designadas para o efeito, o que exclui todas as outras que não estão referidas no diploma.
A vida dos que moram sobre quatro rodas nunca mais será a mesma. “No nosso caso afeta-nos muito, pois nós viajamos, trabalhamos e vivemos a tempo inteiro na nossa autocaravana”, comenta Andreia.
“Com esta nova lei somos obrigados a viajar mais depressa, gastando mais combustível, e não temos a liberdade de parar num estacionamento normal na via pública, para pernoitar e no dia seguinte seguir viagem”, explica acrescentado que a partir de agora terão de estar constantemente à procura de sítios “designados para autocaravanas”. “Para além da manutenção normal da autocaravana (a cada 3-4 dias no nosso caso), mas agora temos de procurar todos os dias para a pernoita. Isso faz com que num dia tenhamos de fazer muitos quilómetros, porque muitos municípios em Portugal não têm essas condições”.
“A verdade é que existem pessoas em situações ainda mais complicadas, que por vezes têm trabalho fixo numa cidade e nem sequer têm uma Área de Serviço para Autocaravanas (ASA) perto e por isso ficam muito mais limitadas. Nós felizmente temos a oportunidade de trabalhar a partir de qualquer lugar e por isso a nossa intenção, neste período de transição e adaptação (e quando a pandemia nos deixar também) é de ir para o estrangeiro à procura de melhores condições”, lamenta.
Ambiente, lóbis e turismo
Ao Contacto, o Turismo de Portugal respondeu por e-mail exatamente o mesmo que o gabinete da Secretária de Estado do Turismo, mencionando o autocaravanismo como “um segmento do mercado turístico em franco crescimento em Portugal, muito associado à crescente valorização pelos turistas das experiências de proximidade com os valores naturais e culturais dos destinos visitados”. Porém, “o crescimento desta modalidade de turismo comportando desafios reais, atinentes ao ambiente, à saúde pública, ao território e às populações, aos quais é necessário dar resposta”.
Em causa, estará a prevenção de “situações com consequências negativas na paisagem, no ambiente, no ordenamento do território e na saúde pública”.Há algum tempo que no litoral se apresentavam queixas de moradores em relação ao estacionamento descontrolado de veículos em zonas como a costa vicentina, sudeste alentejano, Algarve e até mesmo em zonas protegidas de Sintra. Só no dia 12 de setembro de 2020, a Guarda Nacional Republicana (GNR) detetou 58 infrações e identificou outros tantos cidadãos pela prática de campismo e caravanismo ilegal no Parque Natural do Sudoeste Alentejano, na costa vicentina.
Tendo este fluxo aumentado no período pós-confinamento, o aumento exponencial no número de viaturas alugadas pela costa portuguesa, associações como a Rota Vicentina denunciaram que “passou a ser frequente encontrar lixo e dejetos humanos ao longo da costa”.
Luís e Andreia fazem questão de sublinhar que não são contra a fiscalização sobre práticas de campismo ilegal. “Já existe inclusive, a lei que proíbe a pernoita em parques e reservas naturais e áreas protegidas, e por isso o problema na Costa Vicentina deveria ter sido resolvido de outra forma, que não a total proibição de pernoita de Autocaravanas em todo o território nacional”, explica o casal.
Andreas, conhecido como o The Trash Traveler (O Viajante do Lixo), este verão caminhou 832 km pela costa Portuguesa para recolher plástico, seguido pela sua autocaravana, onde habita normalmente, como assistente de missão. Inserido e bem conectado na comunidade de pessoas que vivem em autocaravanas, conhecida como “vanlifers” portugueses e internacionais, considera que esta é uma lei “a ser dura para todo o país, mas não uma solução justa”. Para o biólogo, este é uma comunidade que se preocupa com o ambiente “mais do que qualquer outra”.
“Estamos ligados à natureza e vemos estas questões numa base diária: As pessoas têm casas de banho nas suas carrinhas ou vão a restaurantes ou bares e compram algo para ter acesso a uma casa de banho. Temos mesmo a regra de que precisamos de deixar sempre lugares melhores do que os que encontramos. Portanto, há pessoas que até limpam depois das outras porque nos preocupamos muito”.
Considera que, de facto, existe o problema de “alguns autocaravanistas fazerem necessidades na natureza e deixarem lá o seu papel higiénico. Além disso, alguns, infelizmente, não se importam com os locais onde ficam. No entanto, é uma minoria que o faz. Como em todas as questões: uma minoria é suficiente para colocar uma perceção negativa sobre todo o grupo”, comenta.
“A quantidade de carrinhas no Algarve e na Costa Vicentina é incrivelmente elevada. E compreendo que essas áreas estavam a levar à imposição desta lei. Faltam infra-estruturas para pernoitar, lixo e casas-de-banho. Uma melhoria desta infra-estrutura seria um primeiro passo, mas não uma lei que proíba tudo. Seria necessário aplicar multas maiores ao estacionamento ilegal, ao lixo e ao fazer necessidades na natureza. Não uma lei que proíba tudo”.
Em paralelo, e no sentido de explorar todas as potencialidades do segmento turístico, “tão importante para Portugal”, o Turismo de Portugal e o gabinete da Secretária de Estado do Turismo referiram por e-mail que se está a desenvolver o Programa de Ação para o Autocaravanismo Responsável, com o objetivo central de dar resposta a alguns dos desafios associados à prática da modalidade, nomeadamente, através da criação de uma rede nacional de Áreas de Serviço para Autocaravanas (ASA) que “dê resposta à procura crescente destes espaços de acolhimento para autocaravanistas, da promoção de mais e melhor informação sobre os locais onde é permitido estacionar, pernoitar e aparcar, e da sensibilização dos praticantes da modalidade para o necessário respeito pelo território, pelo ambiente e pelas populações dos locais visitados”, lê-se.
Na página web do Turismo de Portugal, informa-se que “a primeira Área de Serviço para Autocaravanas (ASA) inaugurada, localizada em Ponte de Sôr – Alentejo, é um dos 41 projetos de 27 municípios do Alentejo e Ribatejo com candidaturas apresentadas ao apoio financeiro no âmbito do Programa Valorizar, para criação ou requalificação de ASA nos respetivos territórios”.
Mas ficam perguntas por responder. Qual será a solução prática para quem já está neste momento a morar em Portugal neste tipo de veículos? Quantas ASA existem ativas neste momento em todo país? Para onde é que se devem dirigir todos as pessoas que usam estes veículos como habitação em zonas que não existam estes espaços designados? De que forma é que estes veículos vão poder circular, se tiverem de efetuar uma paragem não programada e não existir nenhuma ASA disponível nas proximidades? Haverá preços mais acessíveis para autocaravanas em parques de campismo?
Manuel Bragança, presidente da Federação Portuguesa de Autocaravanismo (FPA), diz que a posição da FPA é de absoluta perplexidade. “Perplexidade e tristeza, pois não entendemos como é que num país comunitário, onde as regras referentes aos Códigos da Estrada e respetiva sinalética rodoviária, tendem a ser uniformes, Portugal cria legislação que não tem paralelo com nenhuma existente na Europa”.
“A cedência a interesses inconfessáveis de lóbis instalados, propiciou toda esta acérrima animosidade contra o autocaravanismo, que se iniciou com o aparecimento da pandemia e culminou, agora, a pretexto da transcrição de diretivas comunitárias para o nosso ordenamento jurídico, e de uma forma quase ínvia, com este Decreto-Lei. Não se consegue entender o alcance legislativo da medida ora proposta nesta legislação, porquanto um cidadão está proibido de usufruir do seu bem no espaço temporal entre as 21:00 e as 07:00 do dia seguinte, mas o mesmo cidadão no mesmo local, na mesma autocaravana, pode, depois da 07:00 fazer o que bem lhe entender”, comenta ao Contacto.
“Consideramos ser um Decreto-Lei manifestamente violador dos princípios e direitos fundamentais autocaravanistas, que, cremos, ainda nos assistem. Somos contra o autocaravanismo sem regras; aplaudimos o conceito de aparcar plasmado no Diploma; não concordamos com a proibição de pernoita vertida na lei. Pernoitar e Acampar são coisas completamente distintas”, completa.
Mas a FPA não está sozinha quando meciona a existência de lóbis na atualização desta lei. Tanto nas petições a circular, quanto em publicações de variados autocaravanistas, levanta-se a questão do lóbi dos parques de campismo, e hotelaria.
No boletim de 11 de dezembro da Associação da Hotelaria Restauração e Similares de Portugal (AHRESP) escreveu que "na sequência das solicitações da AHRESP, está proibida a pernoita e aparcamento de autocaravanas ou similares em locais não autorizados para o efeito (...) A AHRESP saúda esta medida do Governo, que terá como resultado o combate às situações de ilegalidade recorrentes, que prejudicavam as populações locais, o meio ambiente e os agentes económicos que investiram nos espaços licenciados para acolhimento de autocaravanas e similares".
Para Paulo Moz Barbosa, presidente da Associação de Autocaravanismo de Portugal (CPA) o problema está essencialmente na definição de pernoita. "As outras alterações que têm que ver com o autocaravanismo são por nós aplaudidas, parecem-nos corretas e vão permitir que se criem regras dentro da lei do Código da Estrada", explica.
No entanto, para Paulo Moz Barbosa é claro que o legislador "não tem ideia" do que é uma autocaravana ao criar o conceito de pernoita daquela forma. "Compreendemos que não deva ser permitido estacionar nos locais que as autoridades entendam que são prejudiciais à paisagem, à continuação do desenvolvimento natural, mas isso já está tudo regulado, ninguém tem de inventar agora um novo conceito. Já existe legislação que proibe que estejamos em áreas naturais. O que não podemos aceitar é que estando bem estacionado, chego às nove da noite passo a estar mal estacionado se estiver alguém lá dentro. Porque se não estiver ninguém, a autocaravana pode continuar no sítio onde estava, porque estava bem estacionada. Segundo esta lei, na autocaravana não se pode dormir, mas num automóvel pode-se, é esta aberração que nós contestamos."
A CPA uniu esforços com a FPA para combater "as ações lesivas da prática do autocaravanismo que há meses vêm sendo anunciadas" reclamando junto dos deputados da Assembleia da Repúlica, "solicitando auxílio e, acima de tudo, uma intervenção institucional e política", esclarece Manuel Bragança.
"Isto é um problema não só de bom senso mas também económico e financeiro. Em Portugal, vão deixar de entrar milhões de euros", lamenta Paulo Moz Barbosa que sublinha as mais de 250 mil autocaravanas que circulam em Portugal durante o ano, sendo que no inverno se trata de uma geração sénior estrangeira em fuga do mau tempo. "As pessoas não fazem milhares de quilómetros para passarem aqui cinco dias. As pessoas vão deixar de vir para cá e vão ficar por Espanha. A maioria das associações de autocaravanistas da Europa está a dizer aos seus afiliados para não irem para Portugal porque não se pode circular livremente. Vão ficar por Espanha".